Segunda Semana: “Reentrai no próprio coração!”
Retornar ao coração, portanto, significa voltar ao que há de mais pessoal e interior em nós. Infelizmente, a interioridade é um valor em crise. Algumas causas dessa crise são antigas e inerentes à nossa própria natureza. Nossa “composição”, ou seja, o fato de sermos constituídos de carne e espírito, faz com que sejamos como um plano inclinado — mas inclinado para o exterior, o visível e a multiplicidade.
Santa Teresa de Ávila escreveu um trabalho intitulado O Castelo Interior, que é certamente um dos frutos mais maduros da doutrina cristã da interioridade. No entanto, infelizmente, também existe um “castelo exterior”, e hoje constatamos que é possível estar trancado nele. Trancados fora de casa, incapazes de reentrar. Prisioneiros da exterioridade!
Quantos de nós deveríamos fazer nossa a amarga constatação que Santo Agostinho fez sobre sua vida antes da conversão:
“Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei. Sim, porque tu estavas dentro de mim, e eu fora. Ali te buscava. Deformado, jogava-me nas belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, e eu não estava contigo. Mantinham-me distante de ti as tuas criaturas, inexistentes se não existissem em ti.”
A interioridade é o caminho para uma vida autêntica. Fala-se tanto hoje em autenticidade, e isso se tornou o critério do sucesso ou do fracasso na vida. Mas onde está, para o cristão, a autenticidade? Quando é que uma pessoa é realmente ela mesma? Somente quando acolhe Deus como sua medida.
Um retorno à interioridade é especialmente necessário para aqueles que são consagrados ao serviço de Deus. Em um discurso aos superiores de uma congregação religiosa contemplativa, Paulo VI disse: “A interioridade deve ser cultivada continuamente.”
Mas nem sempre é possível afastar-se para uma capela ou um lugar solitário para reencontrar o contato com Deus. Por isso, São Francisco de Assis sugere outra solução, mais acessível. Enviando seus frades pelos caminhos do mundo, dizia: “Temos um eremitério sempre conosco, onde quer que estejamos, e, toda vez que quisermos, podemos, como eremitas, reentrar nele. O irmão corpo é o eremitério, e a alma é o eremita que ali habita para orar a Deus e meditar.”
É como ter um deserto sempre “em casa” ou, melhor, dentro de casa, onde podemos nos recolher com o pensamento a qualquer momento, até mesmo caminhando pela estrada.
O Senhor nos chama para a profundidade. Dentro de nós está o que realmente procuramos. Mas dentro de nós também está o vazio, um vazio que nós mesmos cultivamos com nossas escolhas vãs. Um vazio que tantas vezes é preenchido com mais vazios.
Só chegaremos à profundidade do nosso coração se conhecermos a Deus. Só Deus pode preencher tudo em nós. Só dentro de nós mesmos podemos encontrar Deus, porque foi dentro de cada um de nós que Ele quis permanecer quando nos deu seu Espírito Santo no Batismo e na Cruz.
Deixemos o Senhor transformar nossa vida para que sejamos autênticos. Ser autêntico não é apenas expor sentimentos e paixões, mas viver uma vida coerente com a vontade de Deus. Ser autêntico é encontrar Deus no mais íntimo de nós.
Somos um povo de coração duro. Um povo que insiste em viver longe dos planos de Deus porque nos enchemos de nossos próprios planos e nos ocupamos com esta vida exterior, tornando-nos prisioneiros dela.
Cuidemos, irmãos, pois o demônio está à espera de alguém para devorar. Não sejamos presas fáceis! Lutemos com toda a nossa força e, se um dia pensarmos que nossas forças acabaram, lembremo-nos de que nossa força é Deus. Ele não passa. Ele permanece.
Bibliografia:
Angelus do Papa Francisco (2021);
Pregação do Frei Raniero Cantalamessa (2014);
Raniero Cantalamessa – Nós pregamos Cristo Crucificado.
Francisco Adriano Silva
Cofundador e Formador Geral da Comunidade Filhos de Sião